Gritomudo

Gritomudo
#gritomudo

domingo, 9 de novembro de 2014

Estou desorganizada porque perdi o que não precisava. Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura. Essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la -, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de, simplesmente, ir.

É difícil perder-se. É tão difícil que, provavelmente, arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja, de novo, a mentira que vivo. 
Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. 
A ideia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas, e agora? Estarei mais livre?

Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar - e que, por segurança, chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. 
Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas, assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.

Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas, tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo, quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.

Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação a ser? E, no entanto, não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e, sim, outra como se antes eu tivesse sabido o que era? Por que é que viver é uma tal desorganização?

É uma desilusão. Mas, desilusão de quê? Se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? 
Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto, se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque, finalmente, foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas, era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. 
De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas, por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.
 
(A PAIXÃO SEGUNDO GH, PÁG 12 E 13)
 
*Quando da organização do tempo, minha irmã sempre diz: Conta com os imprevistos! - e eu prefiro dizer 'deixe um espaço para o acaso'.
E, por acaso, reencontrei-me com/em Clarice... Tão intensa, tão rasa e tão contraditória... E de tão mal resolvida, pareço bem... Ou é o contrário?
 
É frequente desde sempre essa sensação de não pertencimento... Ou de inadequação. E é desta forma que escolho, ou aproveito a oportunidade de entrar com os dois pés ou, apenas, com dedo mínimo.
Há algum tempo eu me achava, entre os iguais, diferente. Mas hoje, me deparo com tantas diferenças que, no meio delas, sou quantidade. Aí, o medo! Tenho me deixado guiar, voltando atrás, dizendo sim, ao invés dos mentirosos nãos.
 
Mas agora, logo que fechei a porta, ao virar de costas me senti esvaziada e por pouco não tombei como um saco vazio.
Assopra-me, infla-me, tira meus pés do chão pra que eu possa flutuar como um balão de gás hélio. Ver tudo de cima, distanciada, ou fechar os olhos, ou, num recorte, olhar só pro que quero... e me deixar levar por essa  modalidade liberdade., que é a arte do segurar-se em nada. A tal da fé!
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário