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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O feminino - o poder - a repressão

Espanha, ditadura de Franco, início da Guerra Civil, pouco antes de ser fuzilado, Federico García Lorca (1898-1936) traz à cena o que, em princípio, pode parecer um drama familiar. Quem conhece Lorca, sabe que ele homem de muito mais.
A história da matriarca que, após a morte do segundo marido, decreta luto por oito anos, enclausurando suas filhas (5) entre portas, janelas e paredes escaldantes.




Entrei no teatro saboreando o cenário, que foi se revelando cada vez mais lindo durante o espetáculo, Poncia e a Criada já estavam em cena. Sentei-me na ponta da poltrona bem devagar com medo de perder qualquer palavra de um texto que já me é muito conhecido. Por vezes fechava os olhos e me deixava levar à um 1994 já distante e revisitar uma recém formada atriz de coração palpitante, que, pela segunda vez na vida, com toda a sua inexperiência, tinha a 'emensa' responsabilidade de abrir um espetáculo. 
Fui arrancada dos meus devaneios no primeiro corte brusco: era a única oportunidade que o público tinha de saber quem era esse tal Antonio Maria Benavides. Reagi imediatamente num grito surdo: - Como assim??? Me calei profundamente quando começou o desfile: a entrada das personagens na cena.
Encantei-me com os figurinos, um a um. Quando dei por mim, estava a procura de Amélia, Martírio, Angustias, Adela e Madalena... Demorei a encontrá-las diante de uma Bernarda quase maternal. 

Enquanto costuravam, passei meu tempo esperando as sutis alfinetadas, os olhares discretamente fuzilantes,  a trama se construindo a cada alinhavo. 
Eu tive a sensação de que cada atriz ensaiou na sua casa e que se encontraram naquele momento para fazer o que eu adoraria chamar de espetáculo. Não existia relação! Algumas falas até exprimiam certa força, que morriam na praia, pois não 'contaminavam' a réplica.

O vestido verde de Adela... Ok, vestiu muito bem a linda atriz, porém foi um erro crasso!

Mas, eu achava que o melhor ainda estava por vir: D. Maria Josefa, com seus lindos cabelos de ovelhinha... E não veio! Suprimiram a parte mais 'translúcida' do texto. A personagem que daria a chance de tirar a peça do maniqueísmo (e do marasmo!), simplesmente cortaram! 

Senti falta do calor escaldante que se faz debaixo das saias. Senti falta de visualizar o suor de Pepe Romano escorrendo pelo rosto e do cheiro de aguardente do hálito dos 'segadores'.

A libertação de Adela, rebelde 'paloma', cheia de palha de trigo nos cabelos cacheados e manchas na camisola que fora alva... Ninguém se mata se um certo mise in scene... Ainda mais por amor à liberdade... ainda por pelo amor de um homem.

...

Um dia eu fui a Criada, amante de Benavides, outro dia  fui a velha Maria Josefa, com seus anéis e broches de ametista, que queria se casar.
13 anos antes eu exercitava o respeito por estar em cena por meio das ritualidades, a reverencia ao autor e a gratidão pela permissão e pelo sucesso daquele exercício de alunas, tão sérias, tão centradas e tão sábias. O vaso de cravos vermelhos nunca estava vazio!
Naquele momento aprendi a ser atriz, graças à oportunidade e à confiança de Alexandre Dressler e ao acolhimento daquelas garotas: Meire, Evanise, Roxane, Silvana, Desire, Veronica e das 'meninas do Adolescente'.






Tem 6 anos da revisita... Processo tenso: externo e interno! Como representar o amor e a liberdade, se alguém vai embora, se tranca por dentro e esconde a chave? Alguém com quem voar não era assim tão corriqueiro... Que me fazia brilhar os olhos e transformou a luz em lágrimas?
Ainda assim, meu amor estava ali, latente porém dedicado, em todas as suas ausencias, a cada recita. Não havia o brilho dos 13 anos passados, mas ainda havia uma poesia rasgada por um punhal enfiado no peito.

Ainda assim, a obra em mim mantém-se imaculada. Ainda assim, qualquer que seja a montagem, ver Lorca, e especialmente, a montagem desta peça me faz muito feliz!

A Casa de Bernarda Alba - 2013

*Imagem 1: divulgação
**Outras imagens: montagem das alunas do curso de Artes Cenicas da USJT

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