Gritomudo

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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Pedagogicamente inviável, mas inclusiva.

Mais um dia como qualquer outro dos duzentos dias letivos em nossa escola pedagogicamente inviável. Para a Jeif de hoje , a estimada coordenadora, Professora Anselma, trouxe para leitura, reflexão e debate um texto sobre inclusão escolar, de um renomado pedagogo de origem oriental: o Professor Massao Hata.
Dona Anselma levou alguns minutos para ler todas as qualificações do ilustre professor, que incluía mestrados, doutorados, livres-docências, especializações etc, além de incontáveis livros, artigos e palestras pelo mundo afora. O currículo Lattes era imenso e deixou alguns professores boquiabertos, mas a Professora Sofia (mulherzinha impertinente), perguntou se o ilustre professor tinha alguma vivência ou experiência em escola pública. Dona Anselma deu uma olhada em suas anotações, mas não encontrou qualquer referência sobre trabalho em escolas públicas. O Professor Zé, sempre de mau humor às segundas-feiras, por conta de um estranho problema no fígado que o ataca sempre nesse dia da semana, falou meio azedamente que o Professor Massao teve sim experiência em escolas, pois na década de 1960 ele dava aula no Japão, quando não estava combatendo os Incas Venusianos. A professora Sofia olhou torto para seu amigo, mas o Professor Panaceu caiu na gargalhada, por se lembrar do infame personagem do antigo seriado vespertino do qual ele era fã. A professora Maena não fazia idéia do que se tratava e não entendeu a piada , mas como Panaceu riu, ela riu também. 

Depois de todas essas apresentações e comentários o texto foi lido e Nacional Kid, quero dizer, Professor Massao, argumentava sobre a importância da inclusão e da conscientização dos professores sobre a superioridade do paradigma inclusivo sobre os paradigmas que o precederam. O texto contava uma história sobre um suposto movimento mundial pela inclusão, no qual milhões de pessoas saíram às ruas para exigirem o fim da segregação e conquistarem o direito de que todas as crianças pudessem estudar nas mesmas escolas, amontoadas e empilhadas nas mesmas salas de aula, sem qualquer tipo de discriminação. A professora Sofia começou a argumentar sobre razões econômicas que conduziram tal processo, e sobre o entusiasmo do Banco Mundial e de toda a turma de economistas e gestores neoliberais com a tal educação inclusiva. Porém, o tempo já estava se esgotando e Dona Anselma foi encerrando mais essa produtiva Jeif.
Alguns professores saíram apressados, pois acumulam com a escola sucateada pelo pessoal da privataria e do propinoduto no período da tarde, enquanto os demais tinham apenas alguns minutos para uma água e uma rápida passada no banheiro antes das aulas começarem. 

Até a hora do intervalo as coisas correram tranquilas para a Professora Shirley, uma das professoras em módulo do período da tarde. Porém, logo que o sinal que marca o fim do intervalo tocou, Dona Glória, a vice, avisou a jovem professora que ela teria que pegar as aulas da Professora Maena, que não se sentiu bem e foi embora mais cedo. Isso significava que ela iria agora para a 6º B.
A 6ºB não é a pior sala da escola pedagogicamente inviável, mas é certamente a mais “inclusiva”. Nela temos um autista, dois hiperativos , um aluno com surtos de agressividade ainda não muito bem diagnosticados e algumas dezenas de alunos “normais”. A professora Shirley, que é módulo de ciências, não se aventurou a dar aula de inglês, a disciplina de Maena. Começou a explicar uma atividade com um texto sobre os problemas do lixo nas grandes cidades. A sala estava bastante agitada, como é rotina nas aulas depois do intervalo e um dos hiperativos corria pela sala. A professora chamou sua atenção diversas vezes, porém, o menino sentava por alguns instantes e já se levantava novamente, reiniciando a correria por entre as carteiras. Em uma dessas corridas ele acabou pisando no pé do aluno que tem surtos de agressividade e , quase que automaticamente, o irritado aluno se levantou e agarrou o pescoço do hiperativo, iniciando seu estrangulamento. A professora Shirley mandou o garoto surtado soltar o pescoço do colega mas esse não atendia seus apelos. Os alunos “normais” da sala começaram a bater nas mesas e a gritarem em coro : “ BRIGA, BRIGA, BRIGA”... Desesperada, a Professora abriu a porta do corredor em busca de uma inspetora que a ajudasse, mas nesse horário a inspetora Berenice é que deveria estar ali e, como já é sabido na escola toda, ela odeia esse corredor e simplesmente evaporou. 
Na sala ao lado era o Professor Panaceu dando aula, e ele não é exatamente do tipo que ajuda os colegas nessas situações. Enfim, a Professora resolveu ela mesma enfrentar o aluno surtado e com muito esforço conseguiu fazê-lo soltar o pescoço do hiperativo. O menino, recuperando o fôlego, começou a chorar e isso fez com que o autista começasse a chorar também e a gritar um grito agudo e angustiante.. A sala então começou a gritar junto e a Professora Shirley aos berros exigia silêncio. Foi quando o outro hiperativo, que até agora permanecera relativamente calmo, subiu em sua mesa e começou a dançar enquanto cantarolava um funk de ostentação. Professora Shirley tentava acalmar o autista enquanto gritava para o segundo hiperativo descer da mesa. O hiperativo que quase fora estrangulado já estava enxugando as lágrimas e seguindo o exemplo de seu colega de laudo subiu também na mesa e começou a acompanhar o parceiro na toada do funk. 
A sala parecia um dos infernos de Dante, possivelmente o círculo destinado a professores. Então, em um momento de iluminação, a Professora Shirley largou o autista chorando e foi em direção a lousa, e começou a escrever a primeira coisa que lhe veio à cabeça, que no caso foi o Hino Nacional e já foi emendando uma frase na outra Ouviramdoipirangaàsmargensplácidas... logo uma série de alunos perguntavam se era para copiar e a Professora disse que sim, e que depois iria dar visto em todos os cadernos. O autista parou de chorar, o aluno com surtos de agressividade se acalmou e os hiperativos pararam de cantar e começaram a copiar. Apenas a aluna Rebeca , a mais mimada da sala, disse que não iria copiar, pois já tinha o hino nas capas de todos os livros.
De toda forma, a professora conseguiu, milagrosamente, sobreviver e depois de 45 minutos infernais o sinal tocou e todos estavam inteiros. A professora Shirley ainda teve que substituir a adoentada professora por mais duas aulas, mas depois da 6º B as outras foram mamão com açúcar. Ao final do dia, quando arrumava suas coisas para ir embora, a professora Shirley acabou encontrando o texto do Professor Massao e sem que os outros professores entendessem ou conseguissem consolá-la desabou em uma crise de choro convulsivo.

Em Professores da Prefeitura de São Paulo (Facebook)

*E eu to cansada de ter que me defender do Matheus!!! Os minutos iniciais, necessários para estabelecer um vínculo bacana com a turma, são tensos. ODEIO!

Ps: pelo meu direito de expressão! Por favor, RESPEITE!!!
 

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