Gritomudo

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quarta-feira, 27 de maio de 2009

SOBRE MARIANA ALCOFORADO

Em 2007, às voltas com o TCC, lembrei-me de Mariana Alcoforado. Foi cisma! Levei uma proposta ao grupo de algo que eu não conhecia. Até hoje me lembro da "instalação" com água, velas suspensas, rosas, uma bacia velha e tule negro... Era algo triste, porém delicado. Neste dia eu não me cabia de felicidade: estava ao lado de alguém que despertou em mim o que eu tinha de melhor.
Lembro-me de ter-lhe dito que não desejava aquilo que AS CARTAS PORTUGUESAS descreviam para mulher alguma. Olhei para o céu, através do vidro do carro, respirei e agradeci. Mal sabia que, passados alguns meses, estaria eu muito próxima desta freira, que viveu no século XVII, em plena guerra. As dores eram bem parecidas, os desejos também.
No auge da tristeza, depois de uma conversa intensa com minha querida professora Rita (não conheço nenhuma Rita que não seja maravilhosa!!!), a partir de uma frase dela, quando justificava para si o porque de certos acontecimentos em nossas vidas, decidi que, já que todo aquele turbilhão de sentimentos não cabiam mais em mim, eram maiores e mais fortes do que meu corpo podia suportar, ia transformá-lo em Arte. A Arte à serviço de mim, já que, por muitos anos, eu estive em função dela.
Naquele momento pude contar com minha querida amiga-parceira-irmã-psicóloga e muito amada Carina e com a não menos querida Ana Lucia (Aninha E.V.A. Selvagem). Um dia nos reunimos na praça de alimentação da Universidade São Judas para que eu, simplesmente, lesse as cartas de Mariana. Em poucos instantes tinha uma pequena platéia atenta. Eu não estava interpretando! Estava fazendo minhas aquelas palavras que expressavam tanto amor. Tudo eu estava sentindo naquele momento: saudade, abandono, incorformismo... Tinha tanta coisa ali... e aqui!
E aos poucos fomos levantando idéias, fazendo pequenos laboratórios. Ensaiávamos nas salas-laboratórios da faculdade, aqui no meu quarto, e foram surgindo pequenos textos, frases, leves esboços de cenas.
A dor foi se transformando durante o processo, a compreensão foi se fazendo obrigatória. Fui acompanhando meu próprio processo de amadurecimento.
Saímos das Cartas com a ajuda de Regina (maravilhosa!) Lucia, mestra em Letras, lá de Maringá e mergulhei profundamente na vida desta pessoa intrigante (e cheia de defeitos) que é essa Mariana. Quanto mais a conheço, mais me identifico com a sua intensidade diante dos acontecimentos da vida, do seu incondicionalismo diante do amor.
Mais uma vez, por meio de uma personagem (pois, pretendo tirar esse foco do que é real!), estou fazendo o exercício de ser mulher, de olhar para mim mesma sem tanta dureza, olhar para mim como alguém que também falha, como alguém que erra feio, como alguém que se joga dos precipícios que estão diante do estar viva com medo, mas convicta de que tudo é para o meu bem.
Mariana - por Katherine Vaz
"Acordou a meio da noite na sua cama. Certamente a mãe a deitara lá. Ana Maria estava na cama ao lado, de braços colados ao corpo, a praticar para ser cadáver.
Saltou da cama e, pegando numa tesoura, cortou os longos cabelos negros da irmã. Ana Maria não se apercebeu de nada. Estão a ver? Está morta. Como era gorda demais para ter um marido, umas madeixas a menos não tinham grande importância.
Mariana olhou para suas mãos. Sentiu-se esquisita, ali de pé no chão frio a segurar os cabelos de Ana Maria no meio daquela escuridão. O que a levara fazer aquilo? O cabelo da irmã parecia um pequeno tapete todo desfiado. Escondeu-o por debaixo da cama de Ana Maria.
Acordou de manhã de um sono sombrio e viu Ana Maria e a mãe debruçadas sobre si com Catarina a fazer uma birra atrás delas.
- Corta o cabelo dela! Berrou Ana Maria
- Não fui eu! – murmurou Mariana agarrada a colcha da cama."
"A sua oração naquela noite foi: Hei-de-vencer esta prova e todas as provas. Nada - ser freira , estar encarcerada, viver em tempo de guerra, nada me separará da vida do meu coração. Envia-me todos os obstáculos que quiseres, meu Deus, para que eu possa ultrapassá-los. "
"Sentiu fome, uma necessidade urgente a jorrar. Corria o risco de encontrar Catarina no refeitório. A Irmã Angélica de Noronha ralhou com Mariana por chegar tarde. Serviu-lhe uma concha de sopa e uma côdea de pão para servir de colher. De repente avistou Catarina, vestida com o hábito branco das postulantes e noviças. “O meu estômago está vazio. Por favor, não me dês nenhuma notícia triste!” Catarina fez-lhe um gesto como se dissesse: “Come, Mariana. Peço-te. Não deves culpar-me por te algo para te dizer”. A seguir levou as mãos ao rosto e deixou-as escorregar lentamente enquanto fechava os olhos. Uma máscara da morte.
A Irmã Francisca Freire bateu no peito fazendo sinal a Mariana para comer. “Tem coragem. É preciso que saibas a verdade”."
"Catarina ensinou Mariana a escutar o que se passava para lá dos muros do claustro, a debruçar-se sobre o silêncio interior e deixar-se transportar. Escutou a respiração de Baltazar, assegurando-se assim de que estava vivo. Pelo ritmo da sua respiração, podia avaliar se ele estava com medo. Ansiava por ouvir, e então a sua imaginação inventou o ruído de espadas a cruzarem-se, tiro de mosquete e cavalos a relinchar. Tapou os ouvidos, amedrontada.
Deitou ao lado de Catarina para viajarem juntas. Talvez fosse menos assustador. Deram as mãos e ficaram muito quietas para ver aonde o silêncio as levaria.
- Baltazar! Por que é que não há guloseimas nos santuários às almas penadas?"
"Naquela noite Mariana não conseguiu afastar-se do clamor que reinava no locutório, onde os soldados de visita bebiam e falavam das suas aventuras em voz alta. A Irmã Genebra Nogueira abrira-lhe as portas do convento. A multidão abriu novamente caminho quando Mariana entrou. E lá estava ele. Não sabia seu nome. Era uma silhueta na noite. Andava à procura dela. Avançaram um para o outro ao mesmo tempo, Mariana estendendo as mãos para encontrar as dele. A peruca do capitão estava impecavelmente penteada e a sua farda era a mais resplandecente que jamais vira. Ele colocou-lhes nas mãos uma medalha de São Cristóvão, o Viajante. A medalha queimou-lhe os dedos. Ele inclinou-se e beijou -lhe a mão. Em breve ela estaria deitada, às voltas na cama sem poder dormir, incapaz de ficar dentro da sua própria pele."
"Foi ela que deu o primeiro beijo, para surpresa dele: sentiu-se logo arrebatada no ar, os braços e pernas em volta dele. A mais bela das mulheres, o mais afortunado dos homens.

"Como podia sobreviver até à noite? As suas costelas ainda estavam doridas do peso dele, as entranhas doíam tanto que não sabia ao certo se era devido à paixão dele ou à sua. O fato de o amor causar tanta dor no início não a surpreendia."
"Naquela noite ficou tanto tempo imóvel dentro dela que o sagrado coração esculpido na cabeceira da cama lhe ficou gravado na testa. - És audaciosa e infatigável. Onde é que aprendeste a amar assim?
- Nasci com essa sabedoria."
"- Tens realmente 29 anos?
- Tenho. Já sou um velho.
- Não é por isso. Não consigo imaginar-te com essa idade e ainda solteiro.
- Talvez ainda não tenha encontrado a mulher ideal. – Mas, ao ver sua expressão, apressou-se a acrescentar: - Estava a brincar, Mariana! Espanta-me que todas as tuas ansiedades ainda não te tenham aniquilado.
- Amo-te mais do que a toda a minha vida."
"Seria paciente, mesmo que a sua temperatura oscilasse tão loucamente como na manhã seguinte, passando por tremores quentes a frios, obrigando-a a dar entrada na enfermaria. As suas convulsões levaram a própria Irmã Juliana de Matos a dizer em voz baixa. – Pobre Mariana. Repousa. Desculpa-me por odiar-te.
Perto da meia-noite saiu da cama e arrastou-se até a sua casinha, pois nada era pior do que sentir a falta dele. Ao encontrá-la a tremer, Noel disse:
- O que é que eu te fiz? Não parece tu.
- Sou mais eu do que jamais fui."
"Mariana sentia que, sob o abraço apertado, Noel aguardava que ela o deixasse. Não estava a portar-se como um amante, mas como um cavalheiro. Murmurava os motivos que o levava a deixá-la, fria e ordenadamente, mas a mão acariciava-lhe os cabelos e isso bastava para despedaçar a alma de Mariana. E quando ele voltou a dizer: - Pensa em mim – ela pensou: “O que me restará então? Se eu nunca mais puder voltar a ver-te? Não! Isso é impossível! Ficarei sem olhos? Não te ouvir mais? Perderei as orelhas. Nunca mais me queimar no fogo que nos consome? De que me servirá então o tato?”

" E se tentasse falar seria como cuspir pedaços do seu esqueleto dilacerado. As lágrimas jorravam silenciosas, a boca aberta sem poder falar, a magoa e as palavras escoavam-se do seu corpo ao vê-lo partir."
Primeira carta
"E, contudo, agarro-me com afeição ao sofrimento que me causaste: consagrei a minha vida à tua desde o primeiro momento em que te vi e orgulho-me de ter feito tal sacrifício. Mil vezes por dia envio os meus suspiros para te procurarem por toda a parte, mas e única resposta à única resposta à minha inquietação é uma prudente voz de aviso, frei ao meu triste destino e suficientemente desumana para me proibir a mais ligeira ilusão, que me repete a todo o momento: Descansa, pobre Mariana! Deixa de te mortificar em vão e de procurar um amante
que nunca mais voltarás a ver..."
Quarta carta
"Releu-a várias vezes durante os dias seguintes para ter certeza de que não estava a interpretar mal o que a carta dizia, e depois tirou as pulseiras que trazias escondidas sob as mangas. Despedir-se do São Cristóvão e do retrato do amante custou-lhe bastante mais e ficou a fitar a sua fisionomia até a gravar na memória – como se ele não existisse irrevogavelmente dentro de si. Juntou estas coisas às outras cartas dele. Guardaria esta última, juntamente com outra breve missiva que, compreendia-o agora, ele esperava ser sua ultima carta para ela. Haviam de lembrar-lhe que ele estava a ajudá-la a ser forte. "
"- Endireita as costas, Irmã Mariana. É preciso ter orgulho. Tens de salvar-te a ti mesma.
- A mim mesma?
- E a mim também – Disse a Irmã Francisca Freire – És parte de mim."
"“- Amo-te. Ainda te amo. Hei-de-amar-te sempre. Venero todas as alegrias e sofrimentos que o teu amor me proporcionou. Não quero curar-me do meu amor por ti. Sou suficientemente forte para amar-te, embora talvez nunca volte a ter-te. Serei alguma vez capaz de sentir alegria com as tuas viagens, jantares, o fato de estares bem sem mim? Um dia hei de imaginar- tudo isso sem pestanejar. Hei de ser capaz, meu amor.""
"- Quebrei um voto que me foi imposto. Nunca quebrei o voto que se encontra alojado no meu coração. Nunca, nunca!"
"- Sou uma erudita."
"Tenho 36 anos. Como é que cheguei a esta idade? A minha irmã Peregrina tem quase 16 anos, às vezes penso que estou compartilhando tudo isso contigo, Noel. Mas outras penso que o volume do livro da minha vida continua a escrever-se por si só, quer queiras ou não sentar-te ao meu lado junto à lareira e lê-lo. Quer queiras ou não que a maior parte dele continue a ser colorido pela minha paixão."
"- É muito mais difícil amar do que sofrer. Amar com toda simplicidade, sem termos de nos pôr à prova, é bom. Mas amar após enfrentarmos uma tragédia é heróico. Deverias penetrar no amor e voltar a senti-lo, Irmã Mariana.
- É o que eu faço.
- Não fazes nada. A dor instalou-se no teu espírito como um livro colocado numa prateleira muito alta. Pega nesse livro e abre-o porque o nome daqueles que ama está lá inscrito.
- Não. Mas, Mariana não conseguia desobedecer-lhe. Nessa mesma noite esticou o braço e tirou o livro sobre Noel que se encontrava no interior do túnel sem fundo. Abriu a capa do livro. Dores agudas fizeram-na rodopiar na volta; apesar de as freiras dizer que o tempo curava tudo, nunca deixara de amar Noel."
"“O meu amor continua a visitar-me através de revelações” – pensou Mariana. – “Abençoado sejas, meu amor”."

"- Amo-te. Continuo amar-te. Acarinho todas as alegrias e pesares que o teu amor me deu.
Era o trigésimo quinto aniversário da partida de Noel. O que poderia acrescentar à oração deste ano?
- Não tenho nenhum dinheiro, quem é poderia imaginar tal coisa! Mas, sinto-me incrivelmente feliz. E tu, meu amor? Espero que tenha casado, que estejas próspero e rodeado de filhos. Digo-te isto como se me tivesses deixado ontem. Mas tu nunca me deixaste, nunca, meu querido amor!"

"As cartas de amor começavam sem fazermos idéia do que iríamos dizer e terminavam sem compreendermos o que proclamavam. Na altura não tivera noção do que dissera ao certo, tal como não a tinha agora. O amor não era um recital."

“Agora posso perdoar-te, meu amor, a falta indesculpável de teres lançado as minhas palavras e a minha inocência aos olhos de um publico displicente. Posso perdoar tudo. Posso perdoar tudo e a toda gente, já que te perdôo isto.”

“Pedi para que me fosse enviado um grande e eterno amor e tenho-o sentido já há algum tempo. Só que não aceitei que fosse meu de uma maneira que não imaginara.”

Eu, Eliana, paro por aqui com lágrimas sufocadas no peito, AGRADECENDO À DEUS POR TUDO E POR TODOS: por CARINA, por Regina, POR Aninha, por Fernando, por todos os meus amigos (QUE SÃO TANTOS!!!), por todas as histórias de AMOR que me foi permitido ouvir, POR TER A CORAGEM MAIOR QUE O MEDO e por vc, Jeff!

AGORA SOU COMPLETA: AMEI, ME ENTREGUEI, FUI CAPAZ DE QUERER TUDO O QUE UMA MULHER PRECISA QUERER. FUI ABANDONADA, SOFRI, E AGORA JÁ FUI TRAÍDA... NESTE MOMENTO EXIJO TODA A FELICIDADE QUE ME FOI PROMETIDA. AGORA!

AMÉM!!!

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