Gritomudo

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Conto Sufi - O Vento





Um vento muito jovem com o estranho nome de Al-Merid vivia a vida brincando, como uma criança num deserto dentro de si mesmo. Montava e desmontava seus castelos de areia, armava e desarmava dunas, de maneira a mudar constantemente de paisagem (para evitar a monotonia!), apagava as pegadas dos viajantes e as passadas vigorosas dos camelos.
Vivendo intensamente o presente, pois o passado já se fora (e ele não tinha memória do tempo) e o futuro estava por vir (e não o interessava se desgastar, imaginando-o).

Mas, eis que se acabara o tempo das brincadeiras e, talvez por isso, ouviu uma voz que vinha lá do seu centro:
- Al-Maried, Al-Maried! Por que perdeste tanto tempo com miragens e oásis, lagartos rastejando em pedras rachadas pelos outros ventos e cobras... E cocos secos?!... Muda, enquanto é tempo!!!

Al-Maried afastou-se do deserto e foi habitar sobre um mar diferente, que o vento Minuano havia lhe apresentado nos seus sonhos aventureiros.
Pensando haver encontrado seu verdadeiro habitat, continuou brincando de forma diferente.
Ora leve, ora furiosamente movendo as ondas desde o seu interior, revirando barcos, rebuscando sempre os baús ocultos com tesouros acumulados pelo tempo e apossando-se de jóias, medalhas e honrárias que pertenciam aos mortos-vivos.

Mas, novamente, cansou das brincadeiras, fez silêncio e tornou a ouvir:
- Al-Maried, o que é uma gota no oceano? Busca esquecer-te ou morrerás gelado nos pólos, para onde te levarão teus pensamentos e ações inconseqüentes...

Al-Maried olhou em redor, nas montanhas longínquas e viu fumaça. "Ora, onde há fumaça, há fogo", pensou. E para lá se dirigiu, pois estava gelado até a alma e desejava aquecer-se.
Voou vertiginosamente e ficou frente a frente com um vulcão que preparava cuidadosamente sua lava para descer o morro, matando a vida, para depois de séculos, transformá-la em ouro negro.
Apaixonadíssimo pela beleza terrificante do vulcão, soprou, soprou, soprou... Soprou tanto que inchou as suas bochechas de vento, empurrando cinza e labaredas, detritos e lava para lá e para cá...

Estava nesse incansável trabalho que o vulcão lhe exigia, quando passou uma ventoinha leve e graciosa, fina e gentil, que piscou o olho para ele.
Al-Maried largou tudo e seguiu-a por morros e florestas, praias e rios, lagos e cachoeiras encantados... Claro, era um vento jovem! Já pensava em estabelecer-se e construir um belo palácio de vento somente para os dois, num tempo eternizado num único momento, quando pela terceira e última vez, ouviu a voz interior que , como címbalo forte, cantava em seus ouvidos:
- Será este mesmo o teu destino? É isto realmente que tu desejas? Gerar ventos e colher tempestades, maremotos? Furacões do teu próprio sentimento? Por que não procuras instruir-te primeiro? Se o amor for verdadeiro, noutra curva do tempo o encontrarás, certamente!

Al-Maried foi se afastando... De ré e devagar, bateu com os costados numa montanha gelada muito grande, o Himalaia. Olhou-a bem e percebeu que, no alto, havia um templo (reconheceu-o até porque já sonhara muito com ele).
Subiu, subiu, enfrentando os maiores perigos entre abismos e trechos muito escorregadios, e ainda outros com passagens estreitíssimas, até que o alcançou. E encontrando-o, avisou um velho tão velho que, parecendo adivinhar a morte próxima, lhe disse:
- Al-Maried, Al-Maried, finalmente chegaste! Espero-te há séculos para seres o meu discípulo. Quero ensinar-te tudo que aprendi sobre a vida, fora da vida, porém no centro dela, meditando e orando pelo bem da humanidade. Em troca, deves fazer a única coisa que sabes: refrescar-me e varrer nosso templo.

Al-Maried, meio assustado, porque aquela era a voz que escutara três vezes e não sabia como aquele velho o havia acompanhado, aceitou.
Varreu pátios internos, abriu suas próprias janelas para o Sol, soprou as teias de aranha para longe do palácio!
E era só abrir e fechar, limpar e refrescar, abrir e fechar... E, às vezes, brincar na cabeleira e barba compridas e branca do seu sábio, que sorria muito e, estranhamente, parecia bastante com ele mesmo, o vento!
Al-Maried ali envelheceu, vendo o monge sair do corpo tantas e tantas vezes, tantas e tantas voltar a ser criança para receber instruções na sua "nova casa" (seu templo), que, finalmente, compreendeu:
- É fácil juntar grãos de areia (pequenas questiúnculas que estão sempre mudando de posição a favor do vento), mover ondas internas (renovando sentimentos e guardando mágoas que se tornam gigantes e acabam afogando-nos), achar tesouros externos (que enfeitam apenas os mortos-vivos descuidados com as suas verdadeiras vidas), amar e esquecer-se (dos amores individuais, os mais profundos para entregar-se a outros amores mais espirituais, mais universais)... Mas, instruir-se e crescer (leva tanto tempo que, na maioria das vezes, uma só vida não dá para alcançar a verdadeira sabedoria do Ser!

E, numa breve retrospectiva, analisou seus passos: enquanto era uma criança espiritual, vivera num deserto, aprendendo com suas ações inconseqüentes; na juventude, despertara as ondas de emoções desencontradas no seu mar interior depois, conhecera o calor do amor, para então renunciar e buscar a sabedoria.

Foi só aí, então que sentenciou para si mesmo: "O impossível me acordou. Não podendo, eu quis mais. E vi que quanto menos eu tivesse mais seria possível ter. Agora, sim, eu posso ser tudo que não fui num tempo que não era pra ser".

(Autor desconhecido)

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Finalmente, consegui "viajar" até o fim. Que muito lindo!!!
Preciso agradecer, de coração, à Carina por ter me ajudado a ensaiar algumas vezes.
Estou muito, muito, muito feliz com o que assisti.
Textos, marcações, intenções, leitura, pedido... O pedido!

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Enquanto assistia, precisei voltar várias nessa história: o Vento. Era ano 9!!!

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(Viagem ao Antigo Egito - Direção: Tatiane Martins - Studio de Arte e Dança Najmãh)

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