Via Gláucio Adriano
Por Daniel Paes de Barros:
Duas experiências que me ajudaram a lidar com meu preconceito (Ou: alguma coisa que acho que entendi a respeito de São Paulo)
Há cerca de quinze dias – mais precisamente, no mais recente dia 10 – eu estava almoçando em um dos restaurantes tão populares que existem em São Paulo. Os botecos/ PF’s, que por cerca de R$ 12,00 oferecem uma refeição completa. Deixei minha carteira e o telefone sobre a mesa, enquanto almoçava.
Em algum momento, entraram no restaurante um garotinho e suas irmãs, todos visivelmente em situação “de risco”, ou seja: negros, parcamente vestidos e pedindo comida de mesa em mesa. Eu gostaria de oferecer alguma coisa, mas um companheiro que almoçava ao meu lado se adiantou e pagou o almoço das crianças. Salgadinhos e refrigerante.
Com os olhos das crianças sobre minha mesa, meu primeiro impulso foi guardar telefone e carteira. Com um movimento rápido, qualquer um deles poderia tomá-los e correr.
Já fui assaltado e furtado tantas vezes que deixei contar. Até há pouco tempo atrás eu mantinha uma pasta com B.O.’s e coisas assim. Passei pela experiência desconfortável de enxergar o cano de um revólver apontado pra minha testa.
Mas o revólver não estava nas mãos de nenhuma das pessoas que me levaram dinheiro ou telefones celulares. Esta experiência, quem me proporcionou foi um policial militar.
Resolvi pagar pra ver. Deixar a carteira, o celular, em cima da mesa, e só observar as crianças. O garotinho chegou perto da minha mesa e olhou nos meus olhos, com um sorriso. Pegou a coca cola que havia ganhado e foi embora.
Eu quis cuidar dele.
Mais tarde, depois de treze horas de leitura ininterrupta (aquele foi realmente um dia intenso), saí de casa a fim de comprar cigarros. Às onze e meia da noite, de uma segunda feira. A loja de conveniência fica no fim de dois quarteirões realmente escuros, e na volta, notei um rapaz caminhando sozinho em minha direção.
Tive o ímpeto, legítimo, creio, de atravessar a rua. Lembrando da experiência do almoço, paguei de novo pra ver.
Ele me abordou. Devia ter a minha idade. Maltrapilho, com um jeito bastante “feminino” (desculpem) de falar e visivelmente alterado. Me pediu um cigarro.
Eu dei o cigarro, e ele me disse: às vezes pedimos um cigarro, mas o que a gente quer é um abraço, um beijo.
Fui embora com um sorriso no rosto e vontade de abraçá-lo: ele disse aquilo de uma maneira muito bem humorada e carinhosa.
Por que escrevi isso? Porque acho que a cidade de São Paulo está entupida de preconceito, e eu sou parte disso. Se minha cabeça é cheia de ideias libertárias, minha cultura, meu espírito, ainda mostram flores de uma árvore antiga, reacionária, assustada. É preciso entender isso pra poder mudar alguma coisa.
São Paulo não é dos paulistas. Essa cidade é feita de gente de todos os cantos do Brasil, que chegam aqui com culturas e expectativas diversas.
E aqui, a convivência com o país inteiro pode ser assustadora ou enriquecedora. Mas nunca deixa de ser transformadora.
Duas experiências que me ajudaram a lidar com meu preconceito (Ou: alguma coisa que acho que entendi a respeito de São Paulo)
Há cerca de quinze dias – mais precisamente, no mais recente dia 10 – eu estava almoçando em um dos restaurantes tão populares que existem em São Paulo. Os botecos/ PF’s, que por cerca de R$ 12,00 oferecem uma refeição completa. Deixei minha carteira e o telefone sobre a mesa, enquanto almoçava.
Em algum momento, entraram no restaurante um garotinho e suas irmãs, todos visivelmente em situação “de risco”, ou seja: negros, parcamente vestidos e pedindo comida de mesa em mesa. Eu gostaria de oferecer alguma coisa, mas um companheiro que almoçava ao meu lado se adiantou e pagou o almoço das crianças. Salgadinhos e refrigerante.
Com os olhos das crianças sobre minha mesa, meu primeiro impulso foi guardar telefone e carteira. Com um movimento rápido, qualquer um deles poderia tomá-los e correr.
Já fui assaltado e furtado tantas vezes que deixei contar. Até há pouco tempo atrás eu mantinha uma pasta com B.O.’s e coisas assim. Passei pela experiência desconfortável de enxergar o cano de um revólver apontado pra minha testa.
Mas o revólver não estava nas mãos de nenhuma das pessoas que me levaram dinheiro ou telefones celulares. Esta experiência, quem me proporcionou foi um policial militar.
Resolvi pagar pra ver. Deixar a carteira, o celular, em cima da mesa, e só observar as crianças. O garotinho chegou perto da minha mesa e olhou nos meus olhos, com um sorriso. Pegou a coca cola que havia ganhado e foi embora.
Eu quis cuidar dele.
Mais tarde, depois de treze horas de leitura ininterrupta (aquele foi realmente um dia intenso), saí de casa a fim de comprar cigarros. Às onze e meia da noite, de uma segunda feira. A loja de conveniência fica no fim de dois quarteirões realmente escuros, e na volta, notei um rapaz caminhando sozinho em minha direção.
Tive o ímpeto, legítimo, creio, de atravessar a rua. Lembrando da experiência do almoço, paguei de novo pra ver.
Ele me abordou. Devia ter a minha idade. Maltrapilho, com um jeito bastante “feminino” (desculpem) de falar e visivelmente alterado. Me pediu um cigarro.
Eu dei o cigarro, e ele me disse: às vezes pedimos um cigarro, mas o que a gente quer é um abraço, um beijo.
Fui embora com um sorriso no rosto e vontade de abraçá-lo: ele disse aquilo de uma maneira muito bem humorada e carinhosa.
Por que escrevi isso? Porque acho que a cidade de São Paulo está entupida de preconceito, e eu sou parte disso. Se minha cabeça é cheia de ideias libertárias, minha cultura, meu espírito, ainda mostram flores de uma árvore antiga, reacionária, assustada. É preciso entender isso pra poder mudar alguma coisa.
São Paulo não é dos paulistas. Essa cidade é feita de gente de todos os cantos do Brasil, que chegam aqui com culturas e expectativas diversas.
E aqui, a convivência com o país inteiro pode ser assustadora ou enriquecedora. Mas nunca deixa de ser transformadora.
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